Linha de Apoio ao Suicídio
Guilherme dos Santos Gomes, 25.03.23
(A cena passa-se num Call Center.)
Atendedor – Linha de Apoio ao Suicídio, boa tarde!
Senhor – Boa tarde!
Atendedor – Boa tarde. Está tudo bem consigo?
Senhor – Para dizer a verdade, não. Tenho-me andado a sentir profundamente abatido, que nada disto faz sentido... e ando a pensar em pôr termo à minha vida.
Atendedor – Pois, pois, pois... E esse “pôr termo à vida” de que me fala, está a pensar fazê-lo como?
Senhor – Bom, isso é que eu já não sei bem, daí ter ligado.
Atendedor – Correcto, é mesmo para isso que nós cá estamos! Vamos tentar encontrar a melhor alternativa para o senhor cometer suicídio, está bem? Diga-me só, se fizer o favor, a sua morada, que é para nos ser mais fácil avaliar a sua situação.
Senhor – Com certeza! Ora: Rua 31 de Maio, Apartado Frei Heitor, N.º 16, 3420-043, Vila Nova de Vila Nova.
Atendedor – Muito bem. Vamos lá ver. Bom, o que eu lhe sugeria, antes de passarmos para coisas mais personalizadas, era o mais tradicional: esfaquear-se, já pensou nisso?
Senhor – Quer dizer, eu não sei se seria capaz. É que dizem-me que as facas aleijam um bocadinho, e podem mesmo chegar a matar!
Atendedor – Certo. Queremos então optar por uma morte mais indolor, é?
Senhor – Se desse para ser...
Atendedor – Dá, sim senhor! Afinal, nós estamos aqui para servir os clientes, não é? Bom, o que eu lhe sugeria agora era tomar medicamentos. Será que me podia dizer o seu peso e altura, se faz favor?
Senhor – Posso, sim senhor. Tenho 1,73m e estou com 68kg.
Atendedor – Vejo que está em forma! Olhe, baseando-me no seu IMC, diz aqui no sistema que 7 gramas de Lorazepam bastarão para o pôr KO.
Senhor – Lorazepam não tenho.
Atendedor – Ah!... E Triticum?
Senhor – Também não.
Atendedor – Rantudil?
Senhor – Não senhor!
Atendedor – E um Ibuprofeno normal, tem?
Senhor – Acabou antes de ontem.
Atendedor – Assim não é fácil, senhor. Não, não. Qual é a farmácia de serviço, na sua zona?
Senhor – Hoje é a Farmácia Queirós, mas ainda me fica um bocadinho fora de mão. Não tem aí mais nada?
Atendedor – Deixe-me cá ver no mapa. Olhe, já pensou em meter-se à frente de um comboio? Estou a ver que tem aqui uma estação a 2,5km da sua zona de residência.
Senhor – E as greves?
Atendedor – Pois, as greves... Ah, mas há aqui mais coisas. Você é um felizardo, homem! Diz aqui que você tem um prédio já bastante alto e com entrada livre ao público a 400 metros de sua casa. Uma queda, que nem precisava de ser do terraço, matá-lo-ia de certeza! O que lhe parece?
Senhor – Eu tenho medo das alturas, não consigo fazer isso!
Atendedor – Tem medo, perde o medo! Eu também tenho uma sobrinha que tinha medo de cães, os pais compraram-lhe um Dobermann e agora é vê-la a brincar com o cãozinho! A gente tem que se adaptar, amigo!
Senhor – Não, mas não dá! Se eu, de subir a uma cadeira, já fico com tonturas!
Atendedor – Então, mas isso é bom, que pode ser que o ajude a cair mais depressa!
Senhor – Não, mas não consigo!
Atendedor – Olhe, eu peço-lhe desculpa, mas assim não pode ser. Então o senhor liga para aqui - sem ideias, tudo bem, que é para isso que nós cá estamos – mas está toda a vida a rejeitar as sugestões que eu lhe estou a fazer? Tenha paciência! Isto se uma pessoa mete na cabeça que é para morrer, é para morrer! Agora, estar aqui a ocupar a linha com coisas destas e indecisões é que não! Amigo, isto quem tem cu tem medo, é mesmo assim! Mas a gente tem que ter capacidade de se adaptar às situações!
(Do outro lado da linha, ouve-se o som de um tiro.)
Atendedor – Ah! Já podia ter dito que tem uma arma! ‘Tou! ‘Tou! ‘Tou? Olha, desligou. Deve ter ficado todo envergonhadinho, com este sermão que eu lhe dei! (fala consigo mesmo) É isso mesmo, Teotónio, já ganhaste o dia!



