Solstício de Animália (ou "Como Estoirar Um Dinheirão de Forma Imbecil")
Guilherme dos Santos Gomes, 27.05.25
Estamos em plena época do “Já se notam os dias”, período de preparação dos Solstícios que sucede àquela imbecilidade da mudança da hora (a hora de Inverno é superior, sem discussão!). Com as temperaturas a subir e os dias a aumentar, começa a saber bem aproveitar os fins de tarde para relaxar e apanhar um pouco de ar na venta, debruçados nas janelas do nosso lar, como fazia a Carochinha, no popular conto popular. Desta maneira nada subtil, passo então para o tema desta crónica: o festival de cocó que é este pedaço do nosso imaginário da infância.
A história começa com a Carochinha, que é uma senhora muito pobre, a varrer a sua cozinha. Ora, qual não é o seu espanto quando encontra – imaginem só – uma moeda de ouro! Logo aqui se põe a primeira questão: de onde vem esta moeda de ouro? Porque vale lembrar que esta é a casa onde ela vive pauperrimamente, não um casarão onde faz serviço de mulher-a-dias. Também não é feita nenhuma referência ao facto de a Carochinha viver numa vivenda arrendada, o que me leva a acreditar que seja propriedade sua (até porque seria insustentável para ela ter de pagar uma renda nos dias de hoje, com o seu miserável salário), ou seja, a moeda é gerada espontaneamente no chão da sua kitchenette. Alguns poderão dizer que é obra do Divino; eu cá acho só que é obra de um mau argumentista…
Com esta moeda, ao invés de investir em Bitcoin (que ouvi dizer que agora vale a pena), a Carochinha foi comprar um vestido de noiva. Agora, é o seguinte: uma moeda de 1 euro (que vou usar como referência) tem um diâmetro de 23,25mm e uma altura de 2,33mm. Feitas as contas, possui um volume de aproximadamente 990mm³. Uma moeda de ouro 24K com as mesmas dimensões pesaria, mais coisa menos coisa, 19,13 gramas, o que se refletiria num valor de 1798,81€ (valor de mercado à data de 27 de Maio de 2025), o que lhe chegaria para comprar o dito vestido e pouco mais. Ou seja, a D. Carocha, sendo confrontada com uma economia pessoal em ruínas, decide, como é natural, estoirar todo o dinheiro que possui na compra de uma peça de roupa de luxo que só usará numa ocasião muito específica, que também não será a mais indicada para este momento particular da sua vida! Mas ela lá comprou o raio do vestido e foi-se pôr debruçada na sua janela a tentar angariar maridos. O critério que ela estabeleceu para a escolha do parceiro indicado foram os seus dotes para o canto… galdéria!
O primeiro gajo a aparecer foi o boi. Com um passado amoroso não muito agradável, possuindo já um valente par de cornos, lá cantou qualquer coisita. Escusado será dizer que ela o rejeitou, pois a voz dele não lhe agradou. O facto de ele ter um pénis 140 vezes maior que ela? Pouco importa. Agora, não saber dar um Fá é que não!
De seguida, aparece um burro. A mesma situação, lá faz um “em ó, em ó, em ó”, não lhe agrada, rua com ele. Isto repete-se mais quatro vezes, com um porco, um cão, um gato e um galo… e não vou mentir, já estava a começar a ficar algo enfadado com esta repetição da mesma coisa vezes e vezes sem conta. Nota-se claramente que quiseram poupar dinheiro no departamento da escrita, mas uma coisa destas sem um bom guião não funciona lá muito bem. Alguém com experiência teria metido aqui uma montagem, mas pronto, não vale a pena estarmos a perder tempo com minudências!
Quando eu julgava que tudo estava perdido, surgiu o magnânimo João Ratão! Sendo o primeiro pretendente que se apresentou com um nome próprio, foi obviamente o escolhido (o que, de novo, revela uma escrita preguiçosa). Por um lado, ainda bem para a Carocha, porque este foi, de todos, o candidato mais anatomicamente compatível com ela (mesmo sendo ainda 14 vezes maior); por outro, dá-me a impressão de que ela foi muito parcial na selecção dos dotes vocais do seu futuro cara-metade, porque eu continuo a achar o cacarejar de um galo mais aprazível que o chiar de um imundo roedor… mas isto sou eu!
Lá se fez o casamento, tudo muito lindo, e eles foram felizes para sempre… ou melhor, acho que foram. Não há qualquer referência a episódios da sua vida conjugal nem nada do género, o que teria sido enriquecedor para a história e teria contribuído para que os leitores criassem alguma empatia para com o João, de forma que o clímax fosse mais intenso e emocional, mas, mais uma vez, recorreu-se a atalhos narrativos, empobrecendo-se assim a história. Mas falava eu no tal clímax: certo Domingo, a Carochinha foi à missa e pediu ao seu maridão que ficasse a tomar conta do caldo que estava ao lume, mas com cuidado! O Joca disse-lhe para estar descansada, e ela foi à vida dela. Ora, os homens são um bicho muito teimoso (mesmo quando são ratos), portanto é óbvio que o João foi dar uma “vista de olhos” à panela, caiu, e faleceu, dando um alívio enorme à Carocha, que provavelmente herdou os seus pertences.
E a história é esta. Chegado ao fim, a questão que me fica é: qual a moral desta fábula? Provavelmente, “se fores um mamífero de pequeno porte que está casado com um insecto, e esse insecto te disser para teres cuidado com uma panela de sopa que está ao lume, o ideal é fazeres o que ele te diz”. Ou então isto foi um conto encomendado pelo Vaticano para mostrar às crianças a importância de ir à missa, pois se o João Ratão tivesse acompanhado a esposa, possivelmente ainda estaria entre nós. Bem jogado, Igreja Católica! Castiga bem esses hereges (isto tem ainda mais graça porque eu sou ateu)! Até à próxima!

