Queima do Judas
Guilherme dos Santos Gomes, 04.08.24
A Queima do Judas é mais um dos tantos costumes e tradições do nosso país. Acontecendo, todos os anos, por alturas da Páscoa, esta tradição secular consiste em pegar fogo a um boneco, forrado de serragem, trapos ou jornal, que pretende representar a figura de Judas Iscariotes, um dos discípulos e famoso traidor de Jesus Cristo, personagem principal da segunda temporada da telenovela “A Bíblia”.
No entanto, nem para todos este evento é tão inocente quanto parece. Neste episódio do “Relatos da Vida do Nosso País”, vamos conhecer a história do Sr. Vicente Judas, barman e tesoureiro da Junta de Freguesia de Parada de Gonta.
Repórter – Boa noite! Estamos aqui, na casa do Sr. Vicente Judas, que aceitou conceder-nos uma entrevista. Sr. Vicente, conte-nos: porque é que não gosta da Queima do Judas?
Judas – Ui, isso já é uma história mais antiga que sei lá o quê! Agora, já nem me vem à memória!...
Repórter – Não terá, se calhar, a ver com o facto de, todos os anos, lhe incendiarem a casa?
Judas – Ah, pois, sim, é por causa disso! Pegam-me fogo à casa, é verdade! Todos os anos é assim! Já desde 82/83, que foi quando eu e a minha esposa viemos morar para cá. Que eu, quando era mais miúdo, até achava graça a essa coisa de botarem fogo ao espantalho. Agora é que pronto, estragaram-me um bocado a magia... Porque é todos os santos anos! Não há um Sábado de Aleluia em que o povo da freguesia não se junte e me pegue o fogo à casa! Eu e a minha Céu já nem costumamos estar em casa, nesse dia! Vamos sempre passar o fim-de-semana à casa de uns sobrinhos, em Arroios! E mesmo os Bombeiros já sabem, tanto que normalmente, acampam aí à porta de Sexta para Sába do. Fazem uma festarola do caraças! Porco no espeto e tudo! E depois andam para aí a fazer peditórios, para ajudar os Bombeiros Voluntários! A desbaratar assim, pudera!...
Repórter – E o senhor não faz queixa às autoridades?
Judas – Nas primeiras 15 vezes, ainda liguei à Polícia e tal, mas cansei-me! Porque não vale mesmo a pena! Eles vão lá passar uma noite, mas no dia seguinte já estão cá fora outra vez... Deixei de me chatear!
Também a esposa de Judas, Maria do Céu, se diz muito cansada com a situação e desiludida com a actuação da Junta e das autoridades competentes.
Céu – Eu já não sei mais o que fazer! Isto é uma praga! Desde que cá moramos que foi sempre assim! Eu ando mesmo cansada com isto! Até há anos em que digo ao meu Judas que nem vale a pena compor a casa-de-banho. Para quê? Para depois rebentarem aquilo tudo outra vez? Queremos fazer, vamos à horta, e banhos, vão de mangueira! Já não estou mesmo para me chatear mais!
Chegamos também à fala com Sebastião Nunes, um dos principais responsáveis pelos fogos-postos na casa de Judas.
Sebastião – Sou eu mesmo! Já há muitos anos que sou eu que compro os isqueiros e a gasolina para botarmos o fogo à casa do Vicente!
Repórter – E quais são as vossas motivações? Algum tipo de intolerância religiosa, alguma superstição por causa do nome, o quê?
Sebastião – Supersticiosos, nós? Se fossemos supersticiosos não andávamos para aí com as mulheres uns dos outros e a comer carne às Sextas-feiras! Não, a gente só faz isto porque não gostamos do Vicente, mesmo!...
Costumes e tradições: para alguns, são parte integrante e valiosa da cultura de um povo; para outros, são fruto de um conservadorismo que atrasa o progresso da sociedade; para o senhor Vicente, são um gasto anual em obras na ordem das dezenas de milhares de euros! Este foi mais um episódio do “Relatos da Vida do Nosso País”. Obrigado por ter estado connosco! Até à próxima!