História Verdadeira de Natal (Guião Original - Versão 2021)
Guilherme dos Santos Gomes, 24.12.23
A acção começa na sala. O Gui chega, senta-se no sofá e liga a televisão para ver o que está a dar.
Gui: Vamos lá ver o que está a dar! Ora bem...
(Na televisão está a dar um filme muito parecido com os outros 7 mil milhões que se baseiam no conto da autoria de Charles Dickens.
A Carolina está a dormir. A Alice [fantasma] entra na sala e acorda-a)
Alice: Buuu! Eu sou o fantasma do Natal, e venho-te avisar que hoje te vêm visitar três fantasmas, porque tu tens sido muito má!
Carolina: E acordaste-me para isso? Já viste que horas são? Amanhã tenho que acordar cedo!
Alice: É pá! Peço desculpa! Mas é que...
Carolina: Não há mas nem meio mas! Não se interrompe assim o sono das pessoas! Não és tu que tens que trabalhar, não é?
Gui: Ui! Ui! Mais um filme baseado na história do Charles Dickens? Já chega disto! Esta história foi mais espremida que sei lá o quê! Deixa-me ver outra coisa!
(Gui muda de canal. Aqui está a dar um filme tipo Fox Life em que tudo é perfeito e nada corre mal!)
Carolina: Meu amor! Eu sabia que eras tu quem eu amava!
Alice: Desculpa se te magoei. Nunca foi esse o meu objectivo!
Carolina: Não faz mal! O que interessa é que estamos todos juntos outra vez!
Alice: Este é mesmo o melhor Natal de sempre!
Gui: Blhec! Que nojo! Tanto clichê aqui metido! Parece um filme do Fox Life! Será que não está a dar nada de jeito em lado nenhum?
(Gui muda de canal. Neste canal está a dar um filme chamado “História Verdadeira de Natal”)
Gui: História Verdadeira de Natal... Parece interessante! Deixa cá ver, então.
(Começa o filme)
Gui (Narrador): Há muito muito tempo, numa terra cujo nome não sabemos chamada Nazaré, vivia uma jovem senhora burguesa e o seu marido carpinteiro. Certo dia, esta jovem recebeu uma visita inesperada:
Alice (Maria): Deixa-me cá fazer o comer para o meu homem, que não tarda deve estar a chegar do trabalho! Como ele fez anos aqui há cinco dias, e a gente não festejou, vou ver se o impressiono!
(Enquanto a Alice diz isto, a Carolina aparece atrás dela)
Carolina (Anjo): Olá!
Alice: Ai, que me assustaste! Valha-nos Deus!
Carolina: É mesmo desse gajo que eu te venho falar. Como é que adivinhaste? Então, é o seguinte! O meu nome é Gabriel, e sou o director executivo da OIHS ou, em Português, “Organização de Inseminadores do Espírito Santo”. O que eu te queria dizer era o seguinte: Deus ligou-me a dizer que te ia engravidar e mandou-me aqui.
Alice: A mim? Eu sou uma mulher pura e honrada. Eu não traio o meu Zé por nada! Afinal onde é que está esse badalhoco?
Carolina: Pois, aí é que está... Ele não veio, e como a inseminação artificial ainda não foi inventada, eu não sei como é que tu vais ter um filho dele. É que ainda por cima ele não tem uma figura terrena, nem nada... Deixa-me ligar-lhe num instante. Com licença.
(O anjo liga-lhe)
Carolina: ‘Tou! Olha, como é que a Maria vai engravidar? OK. Tá bem. Tá bem. Tchau! Beijinhos! Tchau! Tchau! Tchau!
Alice: E então?
Carolina: Bom, ele disse que vai mandar cá uma pomba.
Alice: Uma pomba? Como assim uma pomba?
Carolina: Pelo que eu percebi é uma pomba metafórica.
Alice: Eu já estou a começar a fervilhar! Então você aparece-me aqui em casa a dizer que eu vou ficar grávida de um tal de Deus, e ele nem aparece nem nada! Estamos a brincar, ou o quê?
(Toca o telefone do Anjo)
Carolina: ‘Tou sim! Olhe, desculpe, mas eu estou aqui ligeiramente ocup... ah, Sr. Deus, é você! Certo. Certo. OK, está bem, está bem! Pronto, muito obrigado. Com licença! Olhe, já está resolvido! Deus acabou de me dizer que já a engravidou! Completamente indolor, está a ver? Só uma particularidade: o miúdo tem que se chamar Jesus.
Alice: Hum! Não gosto muito desse nome... Não pode antes ser Emanuel?
Carolina: Não! A lei divina diz expressamente que o nome ou é Salvador, ou é Jesus.
Alice: Pode ser Jesus, então, que o meu Zé gosta muito de ver a bola!
(Corta para o Palácio do Herodes. Alice é o mensageiro e Carolina é Herodes)
Gui: Entretanto a notícia já havia chegado a Israel, porque Maria, beata que é, já tinha contado a toda a gente.
Alice: Meu rei. Já ouviu a boa... quer dizer, a má-nova? Diz que vai nascer, daqui por nove meses, um puto que vai ser rei de todos os Homens e que vai mandar mais que você!
Carolina: Como ousas dizer algo assim? Isto é um ultraje! Como assim vai mandar mais que eu?
Alice: Foi o que eu ouvi dizer!
Carolina: Liga ao pessoal da Agência Lusa a dizer que, em Dezembro, eu vou mandar matar todos os bebés que nascerem tanto aqui como na Nazaré! Já bem bastava o McNamara, que me roubou o protagonismo todo de Peniche para cima, quanto mais agora um puto que ia abafar o meu nome no resto do Mundo!
(Cena na casa da Maria e do Zé, que está a chegar do trabalho)
Carolina: Amor, cheguei! Adivinha: vi agora nas notícias que o Herodes vai mandar matar todos os bebés que nascerem em Dezembro nesta zona! Quando eu pensava que este gajo não podia ficar pior, sai-se com uma medida destas, pá! O que vale é que ainda são os bebés! Imagina que eram os velhinhos, coitadinhos...
Alice: Oh, não! O meu bebé vai nascer em dezembro! O que é que eu vou fazer agora?
Carolina: Como assim “o teu bebé”? Há alguma coisa que me queiras contar?
Alice: Bom... Olha, é assim, não fiques chateado, mas esteve cá um anjo há bocado, não é, e ele esteve-me... meio que... a pôr grávida de Deus...
Carolina: Pois, um anjo... Que rica prenda de anos! E já dura há muito tempo ou também não me queres dizer isso?
Alice: O quê? Eu juro que era um anjo e que estou grávida de Deus Nosso Senhor! A propósito, o puto vai-se chamar Jesus.
Carolina: Bom, sendo assim vou fazer uma breve referência a uma coisa que foi dita anteriormente neste especial de Natal e dizer que estou muito contente com o facto de ele se chamar Jesus, uma vez que eu sou bastante fã de Futebol, e acabar por te dar o meu voto de confiança: Vou-te dar o meu voto de confiança. Nesse caso temos que sair rápido daqui! Eu tenho um primo que tem quartos para arrendar em Belém. Se sairmos agora pode ser que cheguemos lá a horas! Já agora, gostei da escolha do nome! Tu sabes mesmo como fazer um homem feliz!
Alice: Belém? Tu sabes que eu odeio ir a Belém! Ainda por cima pela estrada nacional! Vamos antes meter pela autoestrada e vamos ter o puto a al-Khader!
Carolina: Lá estás tu outra vez! Vamos de burro que não custa tanto! Afinal, não fui eu que me meti nesta alhada, fui?!
Alice: Está bem! Vamos lá! Mas promete-me que não metes o burro nos buracos todos, como costumas fazer.
(Partem então para Belém)
Gui: José e Maria partem para Belém. Uma viagem intensa de 150 quilómetros. Nesta altura, vão a meio da viagem:
Alice: Ó Zé! Está-me a apetecer uma bifana.
Carolina: O quê? Tu estás maluca? Tu sabes que a gente não pode comer bifanas, que Deus não deixa!
Alice: Claro! És sempre tu que decides! Já agora, eu estou com pena do animalzito! A gente já andou sensivelmente 75km, e o burro vai aqui cansado... Porque é que não fizeste uma carroça para o animal? Não és carpinteiro?
Carolina: Não fiz uma carroça porque a menina teve a excelente ideia de andar a contar a toda a gente que estava grávida de um miúdo “especial” e tivemos que sair a correr! E já agora, quem devia estar chateado era eu, porque eu é que vou a pé, estou aqui de sandálias e estou com os pés cheios de bolhas!
Alice: Pronto, está bem! Faz o que quiseres...
(Chegada a Belém)
Gui: Era véspera de Natal! José e Maria acabavam de chegar a Belém. Ela estava prestes a dar à luz, e ele liga ao primo para confirmar a reserva.
Carolina: Estou primo. Já tens o quarto preparado?
Gui (Primo): Olha, quanto a isso, já não vai dar. Um casal de turistas ingleses reservou o hostel todo e eu tenho uma reputação a manter no Tripadvisor!
Carolina: Ei! A sério? Porra! Então e agora o que é que eu vou fazer? (desliga o telefone) Ó Maria, ele diz que está tudo reservado!
Alice: Não acredito! O que vamos fazer, então?
Carolina: Não sei...
Gui (Narrador): Após horas e horas de procura, acabam por encontrar um senhor agricultor que amavelmente lhes cede o seu celeiro de ovelhas e vacas.
Alice: Ó Zé, eu nem quis dizer ali ao pé do senhor, que até parecia mal, mas eu não quero parir num celeiro! Tu sabes perfeitamente que o único Celeiro de que eu gosto é o do shopping.
Carolina: Mas Maria, é a única opção que a gente tem. O que queres que eu faça?
Alice: Eu queria era que tu fosses um bom marido que me... AH!
Gui: Neste momento, as águas de Maria rebentam, e ela entra em trabalho de parto:
Carolina: Respira fundo! Vai tudo correr bem!
Alice: Para ti claro que vai! Não é de ti que está a sair um pequeno aliene!
Gui: O bebé cai no chão por entre as pernas de Maria. E eis que nasce o senhor, o salvador, o magnífico Jesus Cristo Super Estrela! José pega no miúdo, e de dentro dele sai uma luz que se ergue sobre a manjedoura e parte em direção à Pérsia.
Carolina: Que é que foi isto? Ninguém me avisou que o puto cagava foguetes!
Alice: Não sejas parvo! Não vês que era o Espírito Santo?
Carolina: Eu ver, não estou a ver nada...
Gui: Maria pega no bebé em braços e vão começando a chegar ao pé deles pastores vindos de todos os cantos da Palestina. Eles colocam Jesus, que tinha acabado de nascer mas já estava rijo, numa caminha de palha no meio do burro e da vaca.
Alice: Não é lindo? O filho de Deus a ser adorado por todos...
Carolina: Lindo sou eu, Maria. Isto é só esquisito, que eu já vi para aí cada um... Se fosse a ti, eu teria mais cuidado, e continuo a dizer que o puto escusava de estar aí deitado só com uma mantinha a tapar a pilinha! Eu não te disse para pararmos naquela Zippy em Sinjil? O bafo dos animaizitos não lhe pode fazer muito bem!
Alice: Está calado! Não me envergonhes aqui à frente desta gente toda!
Gui: Entretanto, na Pérsia, três Reis Astrónomos avistam nos céus a luz que havia saído de dentro de Jesus, e começam a segui-la. Encontram-se então numa Estação de Serviço, lá para os lados de Persépolis.
(Nesta cena, Alice é Gaspar e Carolina é Belchior)
Alice: Fogo! O que se passará com o Baltazar? Já entrou na casa de banho vai para meia hora!
Carolina: Não sei. Deixa-me ligar-lhe. Estou! Onde estás? A sério? Ora bolas!
Alice: O que foi?
Carolina: Diz que apanhou o camelo a comer-lhe a mirra, que o animal ficou elétrico, começou a correr desalmadamente e que já está em Ofra.
Alice: Em Ofra? Nunca mais o apanhamos! Ó Belchior, eu tive uma ideia.
Carolina: Diz, Gaspar.
Alice: Que achas de nós darmos meia volta e voltarmos para casa? Ele já está quase em Belém, e ainda por cima leva três prendas. Ligas-lhe a dizer que duas delas vão da nossa parte, e fica resolvido. Que achas?
Carolina: Eu acho bem. Eu também só lhe ia levar um bolo rei, mas de certeza que o puto não gosta de fruta cristalizada... Ainda ia ser a vaca que ia comer tudo.
Alice: E eu, feito estúpido, levava uma camisola! Nem me lembrei que a mãe dele tem posses! De certeza que preparou um enxoval do caraças!
Carolina: É! Vamos mas é embora!
Gui: E foi esta a verdadeira história do Natal! O Herodes lixou-se, porque Belém já não faz parte da jurisdição dos guardas dele, mas sim dos de Jerusalém; o Gaspar e o Belchior ficaram com os louros das prendas, ainda que não tenham sequer aparecido na manjedoura; o Jesus andou para aí feito comunista, até que os romanos se chatearam e o mandaram crucificar, que era isso que se fazia àqueles que comiam crianças, davam injeções aos velhos para os matar e roubavam as mulheres e as casas dos outros naquela altura; o José divorciou-se da Maria e agora vive com um alentejano em Marrocos; e a Maria agora é vegetariana e influencer das Redes Sociais, contando já com cerca de onze seguidores, que já seguiam o filho dela.
Vitória, Vitória, Acabou-se A História!